“...Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou…”
(Tenho Mais Almas que Uma,
Fernando Pessoa por Ricardo Reis)
Observe o quadro que este indivíduo apresenta: Suas relações familiares, sociais e no que diz respeito ao seu trabalho estão estáveis de certa forma, porém, está com dificuldades para dormir, com pensamento acelerado, está agressivo, com aperto no peito, tem alta irritação e ideação suicida. Está consumindo álcool compulsivamente e se apresenta desequilibrado. Buscou ajuda para isso, pois está enfrentando uma situação de desespero.
É importante conversar e investigar este cenário, pois podem ter diversas causas.
Porém, também podemos estar diante de um quadro de Espectro Bipolar.
Apesar de não fazermos nenhum diagnóstico, nem ser esse o nosso papel, podemos nos guiar por hipóteses para auxiliar o cliente através da terapia psicanalítica. É fundamental e de nossa responsabilidade, que se tivermos alguma suspeita de TB, o orientemos a buscar ajuda psiquiátrica, para possível acompanhamento e tratamento farmacológico.
O termo grego mania significa em sua origem "loucura enfurecida". A mania, dentro do transtorno bipolar que conhecemos atualmente, foi relatada primeiramente pelo grego Areteus da Capadócia no final do século I a.C. Esse médico descreveu a mania como um estado de falta de controle, no qual a pessoa poderia cometer excessos com fúria, euforia e excitação, podendo praticar atos de humilhação e até matar. Foi ele também que associou a mania com a depressão, mostrando indivíduos que passavam ao longo da vida por períodos alternados de excitação e melancolia.
O transtorno bipolar foi explicado como uma doença única, ou seja, a mania e a depressão representando diferentes episódios de uma mesma patologia, na metade do século XIX, pelos psiquiatras franceses Jules Falret (1794-1870) com o nome de la folie circulaire, e Baillarger (1809-1890), recebendo o nome de loucura de dupla forma. Ambos com ideias muito semelhantes. Mais tarde essas ideias estavam presentes nas concepções de Kraepelin, o alemão considerado o pai da psicose maníaco-depressiva, PMD, que já previa que todos os transtornos de humor estão inter-relacionados.
Alterações de humor no nosso dia a dia são consideradas normais, todas as pessoas naturalmente passam por situações de raiva, tristeza, alegria, euforia, luto, são emoções e sentimentos que permeiam o nosso cotidiano, não sendo suficientes para o diagnóstico do transtorno de humor. Será necessária uma análise mais detalhada de cada situação para se chegar a um diagnóstico. O psiquiatra pode levar até 15 anos para confirmar um quadro de Transtorno Afetivo Bipolar.
Transtorno Bipolar, Depressão Bipolar ou ainda, Doença maníaco-depressiva, Espectro Bipolar, nomes pelos quais pode ser chamada, é uma doença médica séria, que se caracteriza por episódios de depressão, alternados com episódios de euforia (maníacos ou hipomania). No cérebro há um desequilíbrio químico, que altera a comunicação entre as células. Os sintomas persistem por períodos longos de tempo e causam prejuízo e sofrimento ao indivíduo. Essa doença, até o momento, não tem cura, mas pode ser controlada. Quanto antes for diagnosticada e tratada, melhor será o resultado para a pessoa e seu entorno. A principal causa é genética, mas o que é herdado é a predisposição para adoecer. Por esse motivo devemos investigar se há na família casos de TB, suicídio ou esquizofrenia, por exemplo. O transtorno interfere demasiadamente em sua vida, de sua família e em suas relações sociais.
Na depressão os sintomas são clássicos e bastante conhecidos no senso comum: recolhimento e introspecção, sono alterado, pensamentos negativos, baixa auto estima, deixar de fazer atividades costumeiras, baixa libido, pensamentos suicidas, dentre outros.
Na euforia, também chamada de mania, acontece exatamente o oposto: a alegria é descabida, fora de propósito, há excesso de energia, perda da necessidade de dormir, a fala é compulsiva, a libido exacerbada, a vestimenta despojada, presença de agressividade, emagrecimento, gastos exagerados, sensação de poder absoluto, dentre outros, geralmente divergindo da personalidade costumeira do indivíduo.
Aspectos do cotidiano podem suscitar a entrada em mania ou depressão, que chamamos de episódios. Fatores que podem influenciar o surgimento de episódios são os psicológicos, ambientais, sociais e físicos, sendo gatilhos para sua manifestação, como por exemplo, mudanças de estações do ano, mudanças de fuso horário em viagens internacionais (jet lag), trabalho em turno, ou seja, a sensibilidade está na alteração do ciclo sono-vigília e nas variações do grau de estímulos causados pelas atividades sociais, pelo trabalho e por toda a rotina diária, qualquer fato que retire o indivíduo de seu ritmo biológico natural. Uso de estimulantes, cannabis, antidepressivo, álcool podem desestruturar o indivíduo também.
Vamos entender por outra perspectiva.
Primeiramente considere o HUMOR como sendo o nível de ENERGIA (física e mental) e a SENSIBILIDADE, à dor e ao prazer.
Sendo assim, o humor deve ser visto como um continuum, que vai do humor mais negativo ao mais positivo ao longo do tempo. E no meio disso consideramos uma linha de estabilidade. No Espectro Bipolar há uma oscilação entre humor positivo e negativo, que vai se repetir ao longo da vida. Veja o trecho destacado abaixo.
“No transtorno bipolar o paciente apresenta episódio atual ou passado, durando dias, meses ou anos, nos quais o humor ficou irritável ou exaltado, houve maior entusiasmo ou impaciência e sensação de ’pavio curto’, além de aumento de energia mental e/ou física, maior impulsividade e aceleração de pensamentos." (“Aprendendo a viver com o transtorno bipolar” - Manual Educativo - Moreno, Ricardo Alberto - Artmed, 2015)
Se há um cansaço muscular, diminuição da energia mental, raciocínio lento, sensibilidade alta à dor, apatia, afundamento mental e físico, baixa sensibilidade ao prazer (vê o mundo em preto e branco), podemos considerar um quadro depressivo, dentro do TAB;
Se há aceleração de pensamento, encadeamento de ideias criativas, pulando de uma para outra compulsivamente, inquietação, busca por prazer imediato (consumo de drogas, álcool, comida, sexo, busca de adrenalina em atividades perigosas como envolvendo risco, altura ou alta velocidade, por exemplo), intensa produção de ideias, alta energia física, sem necessidade de sono reparador (poucas horas de sono já são suficientes para retomar as atividades); trata-se de um quadro de mania, se grave, ou hipomania, se mais leve.
De modo geral, durante o episódio de mania/hipomania, a aceleração de pensamento, explosão, agressividade e impaciência são os sintomas mais frequentes, seguidos dos sentimentos de grandiosidade, auto estima alta e euforia. O TAB está ligado a altíssimos índices de produtividade e a altos índices de QI.
Para classificar o TB usamos os seguintes tipos:
Tipo I - episódios depressivo e episódio de mania (grave)
Tipo II - episódios depressivo e episódio de hipomania (leve, mais sutil)
Ciclotimia, Transtorno ciclotímico - Oscilações persistentes depressivas e de hipomania
Tipo misto - grave
Nos quadros mistos as oscilações acontecem em períodos curtos, dias, até mesmo, no mesmo dia. Veja a citação de Moreno, abaixo: “A superposição de sintomas maníaco-depressivos resulta em instabilidade afetiva, e diferentes comportamentos impulsivos podem surgir no intuito de aliviar a ansiedade ou canalizar a inquietação causada por depressões mistas ou hipomanias mistas, como, por exemplo, raiva, violência, agressividade para si ou para outros (bater, ameaçar, cortar-se), tentativas de suicídio, abuso de substâncias (cigarro, álcool, drogas, tranquilizantes, analgésicos), comer por ansiedade e compras compulsivas. Habitualmente, o paciente troca o dia pela noite…” (“Aprendendo a viver com o transtorno bipolar” - Manual Educativo - Moreno, Ricardo Alberto - Artmed, 2015)
Outros transtornos podem estar associados ao transtorno bipolar, como comórbidos, e devem ser tratados conjuntamente. São eles, transtornos de ansiedade, como TOC e fobia social, transtornos alimentares, TDAH, dependência química, dentre outros.
A qualidade de vida deve ser o objetivo principal a ser alcançado pelo indivíduo com o TAB e para isso é fundamental o apoio da família. Deve ser priorizado o bem-estar físico, mental social e até espiritual. É importante cuidar do ciclo biológico, receber suporte social, evitar o estresse, o álcool e qualquer outro estimulante; é fundamental a prática de exercícios físicos e outras práticas corporais como meditação e ioga; é altamente recomendado a exposição à luz natural, sempre que possível; definir um propósito de vida, com objetivos claros; estar em tratamento psicanalítico e acompanhamento psiquiátrico, dependendo da gravidade.
Enfim, tudo isso se resume à estruturação de estilo de vida, não fácil, mas não impossível.
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