“Fico sozinho com o universo inteiro.
Não quero ir à janela:
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores há no alto!
Que céu anticitadino! —
Antes, recluso,
Num desejo de não ser recluso,
Escuto ansiosamente os ruídos da rua…”
(Começa a haver meia-noite e a haver sossego
Fernando Pessoa por Álvaro de Campos)
As cartas de tarô datam dos séculos XV e XVI e surgiram ao norte da Itália. Foram criadas para um jogo, jogado por nobres europeus, formado por 22 cartas chamadas arcanos maiores, dentre outras que compõem o jogo. Bem, pelo menos essa é uma das muitas explicações sobre sua origem. Há quem diga que são símbolos antigos, conforme podemos ler na descrição do site da "astrolink": “Os Arcanos Maiores representam basicamente a jornada de evolução do Ser Humano sendo contada através de símbolos ancestrais. Os significados de tais cartas ilustram a estrutura da consciência humana, contendo lições de vida profundamente significativas que foram passadas de geração a geração.” (https://www.astrolink.com.br/).
O nono arcano maior é O Eremita ou o ermitão, se assim preferir, e é descrita como uma carta que simboliza o isolamento, a restrição, o afastamento, associada à introspecção, ao autoconhecimento, à compreensão de si e do mundo, à sabedoria, dentre diversos outros aspectos. Será que podemos supor que ela foi inspirada e se tornou um arquétipo, uma espécie de modelo, que em certa parte representa pessoas com o perfil que traçarei abaixo? Talvez possamos fantasiar essa possibilidade.
O Eremita, inevitavelmente, vem à minha mente quando me refiro às personalidades esquizoides, principalmente aquelas mais raras, que estão em uma faixa que podemos chamar de gênio criativo. Um famoso esquizoide? Arriscaria Albert Einstein. Talvez!
O indivíduo de caráter esquizoide é introvertido, sentimental, intuitivo, excêntrico, diria um ser original e solitário. Pessoas com este tipo de caráter podem se destacar em áreas como filosofia, artes criativas, disciplina espiritual, entre outras semelhantes. Refiro-me, assim, ao caráter mais funcional do transtorno, englobando o transtorno de personalidade esquiva e esquizotípico também.
Os esquizoides podem apresentar uma hipersensibilidade à luz, ao excesso de barulho, e à aproximação de pessoas que podem representar uma invasão ao seu espaço e ataque à sua segurança física e emocional, uma espécie de sufocamento, um cerco se fechando, sentem-se sob ameaça ao serem expostas em sua individualidade. Podem ter uma vida profissional de sucesso, com capacidades e habilidades autênticas, mas apresentar uma frieza afetiva e uma incapacidade para amar e se deixar ser amado. Contudo pode entender que o outro precisa de afeto, pode ter essa compreensão. A família e os amigos podem descrevê-las como gentis e tranquilas, além de estranhas, possivelmente.
Fisicamente, as pessoas esquizoides tendem a ser magra, manifestando seu isolamento emocional e sua falta de voracidade. Suas reações emocionais também são excêntricas e podem causar estranhamento nas outras pessoas. Vivem em um mundo interno de imaginação. Quando estão sobrecarregadas, isolam-se ainda mais, se escondem em uma “reclusão eremita”, projetam e introjetam, como defesas mais primitivas e quando mais maduras, usam a intelectualização.
Dentro da terapia, pode ser uma estratégia, buscar a transformação do isolamento em criatividade e originalidade. O esquizoide com frequência tem apetite por ficar fora de convenções para trazer algo novo e criativo.
Há uma ambivalência em relação ao apego na vida subjetiva do esquizoide que pode ser ilustrada pela parábola “Os porcos-espinhos de Schopenhauer” na qual um grupo de porcos- espinhos num dia frio de inverno lutam para evitar o congelamento, chegando mais perto uns dos outros. Quando próximos o suficiente, começam a se espetar, e se afastam, num ciclo que se repete, de afastamento e aproximação na busca do ponto confortável. Assim é o esquizoide, que quer estar perto e precisa estar longe.
"Esquizo" em grego quer dizer cisão. O que pode levar ao desenvolvimento do TPE, transtorno de personalidade esquizoide? Bem, conforme o Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise de David Zimerman, “A causa mais comum reside na primitiva falha da função continente da mãe, que não pôde acolher, conter e processar as demandas e angústias do bebê, de modo que este se tornou temeroso de que suas exigências amorosas tenham ficado cruéis e destrutivas e que seu amor seja desprezível ou maligno…”. Para um contraponto a essa possível causa, podemos citar Winnicott que diz que uma criança pode ser encorajada ao isolamento quando há a parentalidade muito incisiva, superinvestida e superdesenvolvida, uma mãe sufocante, por exemplo. Outra visão é de que o tipo de envolvimento dos pais ou cuidadores também podem contribuir para o isolamento esquizoide: a criança cresce recebendo mensagens ambíguas, desonestas, com comunicação confusa e contraditória, sem empatia. Daí, num movimento para se proteger (proteção do self) de níveis intoleráveis de raiva e confusão mental, o indivíduo tende a se isolar e se esquivar. Portanto, tanto a invasão como a privação podem ser determinantes. A ânsia e a evitação, a proximidade e a distância, refletindo esse mundo interno contraditório de porco-espinho.
O quanto um indivíduo esquizoide é o esquisitão para os outros? Esse pode ser um medo, o de não ser compreendido e validado completamente, nem estimado pelas pessoas com quem se importa. Na clínica essas pessoas, que são facilmente reconhecidas por seu perfil, devem ser acolhidas, compreendidas e respeitadas. Um terapeuta precisa ser , além de muito paciente, autêntico e mostrar-se realmente com boa vontade, haja vista, o radar super aguçado que apresenta um esquizoide para a falsidade.
Que tal enquadrar o indivíduo como um talento?!
Albert Einstein foi um físico teórico alemão, que desenvolveu a teoria da relatividade geral - 1879-1955
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